segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Uma situação que nos deve deixar preocupados - a gestão da água em Portugal.

Ambiente
Desperdiçamos 80% da água que pagamos


Portugueses não aproveitam grande parte da água que utilizam, mas as estatísticas disponíveis são insuficientes para a planear e gerir bem. World Wild Fund diz que Portugal é o 6.º país que mais água consome por habitante
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Não é fácil sabermos com rigor que quantidade de água consumimos em Portugal. Há a ideia generalizada de que gastamos muita, porque temos um clima mediterrânico numa boa parte do nosso território. E estamos também convencidos de que desperdiçamos bastante. Mas a partir daqui entramos em águas mais ou menos turvas, onde as estatísticas são insuficientes e desactualizadas quando queremos saber todos os detalhes.

Mesmo assim, há dados disponíveis ignorados pela maioria dos portugueses. Um exemplo: consumimos em casa apenas 20% da água que pagamos, sendo os outros 80% - as águas residuais - devolvidos aos meios hídricos e aos solos. Como afirma Adérito Mendes, director do Departamento de Planeamento e Gestão do Instituto da Água (Inag), “o problema estrutural número um da água em Portugal é a falta de dados em quantidade e qualidade nas vertentes físicas, ecológicas, económicas e sociais para se tomarem as decisões correctas, e a gestão da água envolve conceitos que não estão minimamente estabilizados, originando confusões e perdas de tempo”. Por outro lado, a monitorização, recolha e disponibilização desses dados para a sociedade “não se faz bem por falta de recursos financeiros do Orçamento do Estado”.

Em muitos casos falta, por isso, responder a quase tudo - “onde?, quanto?, quando?, para quê?, porquê?, quem?, desde quando?, até quando?”, como salienta o Plano Nacional da Água. O documento destaca que uma das áreas onde mais se faz sentir a falta de dados para o planeamento dos recursos hídricos é “no domínio dos usos, consumos e necessidades de água e sua variabilidade temporal”. E refere também que as quantidades disponíveis de recursos hídricos superficiais ‘‘são hoje relativamente bem determinadas e conhecidas, graças a uma razoável rede de monitorização pluviométrica e hidrométrica”. Mas o mesmo não é tão seguro quanto às águas subterrâneas, “por falta de uma rede de monitorização com o mesmo desenvolvimento”.


Na semana passada, o World Wild Fund (WWF) revelou, na apresentação do seu Relatório Planeta Vivo 2008, que Portugal se encontra em 6º lugar no grupo dos países com maior consumo de água por habitante, onde se inclui também a componente dos bens e serviços importados. Os primeiros cinco lugares são ocupados pelos EUA, Malásia e três países mediterrânicos: Grécia, Itália e Espanha.

E Carlos Costa, presidente da organização ambientalista GEOTA, alerta que “os modelos de desenvolvimento que temos adoptado no turismo, na agricultura e noutros sectores estão a conduzir à redução da água disponível”. De facto, há “um aumento contínuo dos consumos modernos” nos campos de golfe, «resorts» turísticos, culturas agrícolas intensivas, etc. Por outro lado, “o défice do balanço hídrico tem-se agravado nos últimos anos e as situações que antes eram consideradas excepcionais estão a repetir-se, como os períodos de seca sistemática alterando com chuvas torrenciais”. O mês de Outubro foi, neste aspecto, um bom exemplo: a pluviosidade atingiu apenas 1/3 da média registada no período entre 1940/41 e 1997/98, segundo os dados do Inag. E desde 2000/01 que a precipitação em território nacional está abaixo da média.

Mas os números do WWF não encaixam com as estatísticas nacionais. A organização diz que cada português consumiu em média, entre 1997 e 2001, cerca de 2,2 milhões de litros de água por ano, correspondendo 1,2 milhões (54%) à água gasta na produção de bens e serviços noutros países do mundo e que foram importados para Portugal, e 1 milhão (46%) à que foi gasta na produção de bens e serviços portugueses. Só que o Plano Nacional da Água aponta apenas para metade deste valor em 2002.

“Temos sempre dificuldade em descodificar os conceitos e metodologias do WWF”, reconhece Francisco Ferreira. De qualquer maneira, o dirigente da Quercus salienta que existem três grandes problemas com a água em Portugal. “O primeiro é o desperdício, que atinge mais de 40% em certos sectores, porque existe desde 2001 um Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, mas poucas medidas têm sido postas em prática desde então pelos vários governos”. Os objectivos destas medidas estão quantificados: reduzir as perdas de água de 42% para 20% no consumo urbano, de 42% para 34% no agrícola e de 29% para 16% no industrial.

Depois, “não tem sido dada prioridade ao uso e recuperação das águas subterrâneas”. A situação é mais grave nos aquíferos do Algarve, onde a falta de planeamento tem levado ao recurso crescente às barragens, apesar de as águas subterrâneas exigirem menor tratamento e garantirem um abastecimento mais regular que as superficiais. “No início da década de 1990 a maior parte da água consumida no Algarve era de origem subterrânea, mas agora é quase toda superficial, por ausência de medidas de poupança”, recorda Francisco Ferreira. Por fim, Portugal está atrasado na aplicação das novas regras e directivas europeias de gestão da água e das bacias hidrográficas.

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